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Clipping Jornalístico Coronavírus

Publicado em 14/04/2020 no O Globo
Coronavírus - Covid-19 Positiva

Coronavírus: um em cada cinco municípios do país é considerado vulnerável

CINCO MUNICIPIOS VULNERAVEL

Ao menos uma em cada cinco cidades com casos confirmados do novo coronavírus no Brasil é considerada socialmente vulnerável, segundo levantamento do GLOBO baseado em um estudo do Grupo de Métodos Analíticos em Vigilância Epidemiológica (Mave), formado por pesquisadores da Fiocruz e da FGV. A pesquisa leva em consideração indicadores socioeconômicos e hospitalares, além do alcance de medidas de isolamento social, para estimar o risco de espalhamento da Covid-19 nos estados. Até a tarde deste domingo, 939 municípios analisados pelo Mave já tinham casos de coronavírus, e 22,3% apresentavam características que indicavam maior vulnerabilidade.

Além de municípios do interior, o grupo de cidades vulneráveis inclui centros regionais com mais de 100 mil habitantes e uma capital, Rio Branco (AC). O estudo da Fiocruz e da FGV classificou mais de 5,5 mil municípios em uma escala de A até E, na qual as três últimas faixas — C, D e E — são consideradas as mais vulneráveis. Os pesquisadores também levaram em consideração a oferta de leitos de UTI na rede pública, os fluxos intermunicipais diários e a população idosa.

Quase todos os 210 municípios com confirmação de Covid-19 considerados vulneráveis estão nas regiões Norte e Nordeste. De acordo com o estudo, a tendência é que a proporção de casos em cidades vulneráveis aumente à medida que o vírus se espalhe a partir de centros urbanos dessas regiões.

— Este processo é crítico porque essas populações nesses municípios mais vulneráveis têm acesso mais limitado a sistemas de saúde e podem ter outras condições de saúde pré-existentes por carência de atenção primária que impactam nos efeitos da epidemia, como necessidade de hospitalização. É preciso fortalecer o SUS neste sentido para atendimento adequado para as populações dos municípios nos grupos C, D, e E — disse Daniel Villela, coordenador do estudo e do Programa de Computação Científica (Procc) da Fiocruz.

Resistência da população
Com 57 casos confirmados e duas mortes em Rio Branco, a prefeita da capital acriana, Socorro Neri, criticou na última semana a resistência da população em seguir a determinação de isolamento social — isto é, o isolamento de quem trabalha em atividades consideradas não essenciais. A ferramenta "Relatórios de Mobilidade Comunitária", do Google, apontou o Acre como um dos estados brasileiros com menor redução de movimento tanto em áreas de trabalho quanto em zonas residenciais até o fim de março.

Na tentativa de evitar a sobrecarga do sistema de saúde, a prefeitura adotou medidas como suspensão de aulas e cancelamento da Feira do Peixe, que atrai milhares de pessoas na semana da Páscoa. Além disso, médicos da rede municipal atendem e monitoram casos suspeitos de Covid-19 também por telefone.

— Temos a teleconsulta, por exemplo, para orientar os pacientes sobre os sintomas antes de indicar a necessidade de ir ou não a uma unidade de saúde. Também verificamos o número de pessoas que tiveram contato com um possível caso e ligamos para elas — disse Rodrigo Pinheiro Silveira, médico de Rio Branco que coordena a iniciativa de telemonitoramento.

Das 161 cidades consideradas vulneráveis com casos de Covid-19 no Nordeste, 44 estão no Ceará, terceiro estado com mais confirmações no país. No interior, municípios como Crateús e Jaguaribe figuram entre os maiores percentuais de população idosa entre as cidades vulneráveis, com cerca de 15% dos moradores acima de 60 anos. Já no entorno de Fortaleza, que passou dos 1,4 mil casos, a preocupação em municípios como Aquiraz, com 29 casos confirmados, é o surgimento de novos focos do vírus por conta do fluxo de pessoas vindas da capital.

— É impossível bloquear totalmente o trânsito intermunicipal. Estamos trabalhando ao máximo na prevenção, inclusive distribuindo álcool em gel em estabelecimentos que precisam ficar abertos. Também compramos 60 mil máscaras — afirmou a secretária de Saúde de Aquiraz, Palloma Oliveira.

Mortalidade alta
Falhas de notificação e monitoramento de casos suspeitos também preocupam cidades mais vulneráveis. Em Santarém (PA), com 305 mil habitantes e quase na divisa com o Amazonas, a primeira morte por coronavírus ocorreu no dia 19, mas a divulgação foi feita quase duas semanas depois. A prefeitura, que diz não ter sido notificada da suspeita, informou só ter recebido o resultado do teste, feito num laboratório particular em Minas Gerais, no dia 25. A vítima, de 87 anos, era uma liderança indígena no distrito de Alter do Chão. O velório e o enterro, feitos sem medidas sanitárias, reuniram dezenas de pessoas.

A prefeitura de Santarém, que tem 13 casos confirmados, informou que fez testes em parentes da vítima e monitora pessoas que foram ao velório. O município também afirma ter endurecido o controle em estradas e no aeroporto, o quinto mais movimentado da Região Norte, segundo a Anac — já passaram mais de 145 mil passageiros neste ano, superando capitais como Palmas (TO) e Boa Vista (RR).

— Já compramos 300 testes rápidos da China para não ter que esperar a distribuição do Ministério da Saúde. Temos pressa — afirmou a secretária municipal de Saúde, Dayane Lima. — Já vínhamos fazendo um controle vacinal rígido de pessoas que vinham de Manaus, por conta do surto de sarampo no ano passado. Como sabíamos que também podiam vir casos de Covid-19 do Amazonas, mantivemos essas barreiras sanitárias.

No Amazonas, a região de saúde dos rios Negro e Solimões, do entorno do município de Manacapuru, entrou no radar do Ministério da Saúde por apresentar a terceira maior taxa de mortalidade por Covid-19 para cada 100 mil habitantes, de 1,3 — atrás apenas de São Paulo e Fortaleza. Manacapuru, município com quase 300 mil habitantes localizado a 70 km de Manaus, é considerada vulnerável, de acordo com o estudo do Mave. Até a tarde de domingo foram registrados 64 casos e três mortes no município, que não dispõe de leitos de UTI. Um paciente que precisou de internação foi levado a Manaus.

A prefeitura decretou toque de recolher entre 20h e 6h, por 30 dias, para moradores que não desempenham atividades essenciais. Desde a última segunda-feira, o transporte intermunicipal está suspenso.

— Temos aproximadamente um déficit de cem pessoas na área da saúde hoje, de servidores que tivemos que afastar por problemas de saúde ou por serem idosos. Temos que buscar apoio. Apenas com os recursos do município será impossível combater esse vírus — resumiu o prefeito de Manacapuru, Beto D’Ângelo, em transmissão ao vivo no Facebook na semana passada. — Não acredito que estamos todos no mesmo barco. Estamos na mesma tempestade, mas os barcos são diferentes. Há pessoas em condições de muita vulnerabilidade. A população mais carente está em barcos bem menores.